São José e o Natal

Texto de Pe. Mauro Odoríssio, CP

Nem sempre S. José é devidamente considerado no contexto natalino. Humilde como sempre foi, pode ficar esquecido; mas no seu silêncio proverbial, notório, ele tem muito a dizer.

De estirpe real, descendente de Davi, entra na história sem se apresentar, deixando que os acontecimentos falem dele. Não se sabe como, mas aos moldes dos judeus, ele havia adquirido a adolescente Maria para que fosse sua esposa. Aguardava o momento certo que lhe era dado para, festivamente, levá-la para a humilde gruta e viverem como os demais casais da paupérrima Nazaré.  Sem maiores explicações o Evangelista diz que, “antes de viverem juntos” Maria ficou grávida pela ação do Espírito Santo (Mt 1,18).

Algo absolutamente novo acontece na vida de José: sem necessidade de prova maior, ele nota a gravidez de Maria, mas sem o concurso dele. A constatação pedia decisão da parte do Santo; conforme a Lei, cabia-lhe denunciar a Virgem como adúltera (Dt 21,22-23). Além do ônus desta denúncia da qual não podia eximir-se, ele deveria ser o primeiro a atirar a pedra na pretensa pecadora, sem falar em seu direito de ser ressarcido do que despendera para ter Maria como esposa. Além disto tudo, ainda mais segundo a cultura da época, cabia-lhe “lavar a honra”.

Mas o Evangelho diz, lacônica, porém, eloquentemente que “José era justo”.

O que é justiça? Seria usar com retidão a balança, o metro, o litro ou leis ou normas determinadas? Ou existem outros critérios de mensurabilidade? Seria, ainda, dar a cada um o que lhe cabe? Não seria  justiça para o muito pobre se consistisse em dar o que é devido, isto é, não um grão a menos, mas também, não um grão a mais?

No sentido bíblico, justiça é servir-se dos recursos acima acenados, mas também impregná-la pela racionalidade e mais ainda, pela cordialidade. Assim, Deus não é justo quando simplesmente castiga o mau ou premia o bom; em caso semelhante, ele seria absolutamente inútil. Por que viria me premiar só depois do meu esforço pessoal em ser bom ou castigar-me, porque fui mau? Repitamos: em tais casos ele me seria absolutamente inútil. Então, justiça de Deus é a ação divina gratuita, pela qual ele transforma o ser humano injusto ou carente – sempre com a anuência deste –  em ser crescentemente santo.

Assim, José foi justo ao acolher e respeitar Maria, não em simplesmente executá-la. Ele antecipou o preceito de Jesus: “o sábado foi feito para o homem e não o homem para o sábado” (Mc 2,27). Por isso o Santo resolveu simplesmente deixar que Maria seguisse o seu caminho sem denunciá-la, sem levá-la à morte. Acima da lei estava o ser humano, ou mais precisamente, duas pessoas: Maria e Jesus.

José estava envolto nestes pensamentos, no mínimo profundamente humanos, quando se sentiu envolvido pelo céu; em sonho o Anjo lhe disse: “José, filho de Davi, não temas receber Maria como esposa; ela concebeu pela ação do Espírito Santo e dará à luz um filho e você o chamará de Jesus, pois ele salvará o seu povo dos pecados” (Mt 1,20-22).

Aqui, os nossos cientistas poderiam falar em partenogênese, quando o embrião de desenvolve sem ser fecundado, coisa que acontece entre plantas e animais. Mas não é de se tecer tais considerações, neste momento. Ou melhor, é de se descobrir o amor sem medida de Deus que, mesmo sem concurso de um homem, fez com que o seu Filho começasse a existir humanamente entre nós.

É interessante recordar, neste momento, que José, assumindo Jesus “legalmente”, isto é, segundo a Lei de Deus, tornou-se, para os judeus, tão pai, se não mais, do que os outros.

Mas é de se acrescentar e com todas as letras: José foi fundamental para que o Natal acontecesse como se propõe dizer o título de nosso breve estudo. E a eficácia deste Natal não se limitou a um determinado dia ou momento, a um determinado lugar, pois o Menino, no seio familiar, mesmo sendo Deus, pode crescer cheio de sabedoria e de graça diante do Senhor (Lc 2,52).

Isto pode nos levar a refletir que quando temos atitudes como a de José, de não condenar, o Natal vai acontecendo. Afinal, o julgar é de Deus, pois nós vemos o rosto, ele é quem vê o coração (1Sm 16,7).