Águas mais profundas

Texto de P. Alcides Marques, CP

Vivemos numa época em que não é muito fácil ser diferente, original, único. É comum ouvirmos das pessoas que elas até que gostariam de serem diferentes da maioria, mas que, infelizmente, são obrigadas a agirem como todo mundo age. Existe uma espécie de obsessão, por medo de desaprovação social, de ir contra a corrente. No caso de nós cristãos o necessário testemunho da fé fica fortemente comprometido. Se for para se comportar como todo mundo, qual seria então o motivo de sermos cristãos? Somente para ficar rezando e louvando a Deus nos templos religiosos? Haveria então alguma diferença entre ser ou não ser cristão?

O movimento de Jesus aconteceu entre as pessoas, com uma proposta de fraternidade e de compaixão para com os pobres, marginalizados e excluídos. Não foi um projeto de fuga (essênios), de violência (zelotes) e nem de superioridade moral (fariseus). Mas, este conviver com os outros se dava num compromisso de serviço libertador. E essa era a diferença específica. Os seguidores de Jesus eram diferentes porque estavam a serviço de Deus e dos outros. E, neste sentido, é que deveriam se distinguir.

É bastante compreensível que busquemos não ser vistos como pessoas esquisitas, antissociais. Mas, ser diferente não é nada disso. Não se trata de uma diferença contra (os outros), mas de uma diferença a favor (pela missão). Ou seja, não podemos negar nossos princípios e valores cristãos em nome de uma adequação aos princípios e valores do mundo em que vivemos.  Afinal, somos sal da terra e luz do mundo (cf. Mt 5,13-14).

Jesus nos quer diferentes e diferentes pra melhor. O cristão é chamado a ser extraordinário, ou seja, acima do normal. No sermão da montanha, Jesus faz a seguinte advertência: “Se saudais apenas vossos irmãos, que fazeis de extraordinário?” (Mt 5,47). Mais ainda: “Se alguém quiser vir comigo, renuncie-se a si mesmo, tome sua cruz e siga-me” (Mt16,24). O Mestre, portanto, não propõe um cristianismo do mínimo necessário, mas do máximo possível. O que importa mesmo não é a quantidade de cristãos, mas a qualidade dos cristãos.

O relato da pesca milagrosa (cf. Lc 5,1-11) nos oferece uma linda lição. Os discípulos tentaram pescar a noite inteira e nada apanharam. Eles fizeram o que era normal fazer. No entanto, para Jesus, o desafio está em ir além do normal: para águas mais profundas. E foi assim que Pedro fez. Resumindo: ao seguir o caminho normal, mais fácil, os discípulos tiveram uma pesca fracassada; ao seguir a voz de Cristo, o caminho mais difícil das águas mais profundas, tiveram a pesca milagrosa. Observe que os pensamentos e caminhos de Deus não são os nossos pensamentos e caminhos. “Porque os meus pensamentos não são os vossos pensamentos, nem os vossos caminhos os meus caminhos, diz o Senhor” (Is 55,8).

Ir à profundidade, este é o desafio! O extraordinário do cristianismo exige uma busca constante da profundidade. Isso porque existe uma tendência de se permanecer na superficialidade das coisas. Quando nos deixamos conduzir sempre pelo nosso “eu superficial”, aquela voz interior imediata, corremos o risco de sentir, pensar e agir de uma maneira errada; dominada pelos nossos instintos. Por outro lado, quando buscamos ouvir o nosso “eu profundo”, aquela outra voz que emerge dos nossos sentimentos mais nobres, a chance de acerto é bem maior. Ouvir o eu superficial é mais fácil, mas ouvir o eu profundo é sempre melhor.

Saindo do âmbito pessoal, mesmo as comunidades e a própria sociedade precisam encarar sempre o desafio da profundidade. Quantos problemas não são solucionados porque temos preguiça de ir “as águas mais profundas”; ficamos sempre nas soluções mais fáceis. Quantos lares se desfazem pelo medo da profundidade? Quantas comunidades eclesiais e religiosas estão falindo por este mesmo medo? Quantas sociedades estão se decompondo pela incapacidade de enfrentar radicalmente os grandes problemas sociais? Saia do superficial! “Avance para águas mais profundas!”