Texto de P. Mauro Odorissio, CP
Exceto Deus, tudo o que é, antes de existir concreta ou ontologicamente, teve existência lógica: é fruto de algum projeto. Apenas o Criador sempre foi, é e será; ele é o Uno, o Eterno, a Causa não causada.
Todos concebemos, anteriormente, o fruto de nossas produções. Este artigozinho que escrevo, ainda não é, mas já está em minha cabeça. Então, me é postulado necessário: nada existe sem o Infinito. Para mim me é incontestável a afirmação que Deus fez de Jeremias: “antes de formar-te no seio de tua mãe eu já contava contigo. Antes de saíres do ventre, eu te consagrei…” (Jr 1,5).
Abarcando a minha história, eu me vejo como “ser lógico” concebido gratuita e amorosamente por Deus que, num determinado momento da história, me concretizou como ente “ontológico”, com carne e osso, aberto, porém, à comunhão plenificante quando Deus será tudo em todos (1Cor 15,28). É-me absolutamente inaceitável deletar Deus de minha vida e excluo o “nada” como a finalidade do ser humano. Afirmo, de pés juntos, que a vida sem o Infinito não tem sentido e nem existiria.
Nem por isso tomo Deus como chupeta a consolar-me como a “nenê chorão” e que espera recompensas. Ele não é, também, analgésico a me alienar em meio a injustiças e desacertos no mundo que me apequenaria. Nem, ainda, consolo ou justiça vingativa a castigar os maus que no momento triunfam na terra. Não acolho Deus pelo fato de a ciência ser impotente ante tantas interrogações existentes no mundo. Nem é dela dar respostas cabais. Também não a desdenho se às vezes é colocada ao serviço dos opressores e exploradores que dela se servem para fins escusos desumanos.
Acolho Deus por nele identificar a fonte amorosa no meu PASSADO, o acompanhante enriquecedor e bondoso no meu PRESENTE, e o plenificador comungante no FUTURO DEFINITIVO. Sei que ele não me é engodo, mas envolvimento amoroso em benefício do mundo e das pessoas.
Além da ópera Thais, nos meus cinco dias de férias, como falei em meu último artigo, assisti, no Teatro da PUC de S. Paulo, a peça Galileu Galilei. Espetáculo teatral é bom quando suscita debates. Nele, Brecht apresenta Galileu como reconhecido cientista, mas o desmitifica como herói e detona a Inquisição como vilã. E na realidade ela o foi. Galileu é interrogado se não se acovardou perante as exigências absurdas feitas por autoridades eclesiásticas. Seu “e pur se muove” (e a terra se move) teria sido cômico, mas também cômodo. A peça de Brecht, por sinal, muito boa, põe a mão na ferida de Galileu e na da Igreja. Ele, por ter se acovardado e ela por ir além de suas prerrogativas. Questiona-se: tem razão de ser cada um deles? É possível, a convivência entre ciência e religião? É possível a harmonia entre ambas?
Absolutizar a ciência é dogmatizar e transformá-la em Inquisição. Ela é sublime, mas tem calcanhar de Aquiles quando se coloca ao serviço do mal. É questionante vê-la a serviço da indústria bélica, a mais rentável, a que cultua a morte. Quando cerceia o encontro com o transcendental, projeta o “nonsense” da vida, a nadificação como objetivo final do ser humano retratado no cachorro que “corre atrás do próprio rabo”. Em caso semelhante, só lhe restaria o consolo de propiciar o ridículo “Sísifo feliz” de Camus.
Doutro lado, a fé que se ingere no campo científico (excetuando quando se viola a ética), atravanca o progresso e chega a ignorar a ação do Senhor que criou o mundo harmonioso e nele colocou leis maravilhosas descobertas e aplicadas pelos nossos cientistas. Portanto, é fundamental a harmonia entre ciência e fé. Cada uma delas contribui, ao seu modo, para o encontro com o Criador.
E, no que toca à vida religiosa, é de se ter presente que quando não autêntica e profunda, confirma o que Paulo Apóstolo falou dos que a vivenciam hipocritamente : “por causa de vocês, o nome de Deus é blasfemado entre os pagãos” (Rm 2,24). Em outras palavras, os maus discípulos do Senhor depõem contra ele e dão azo a críticas acerbas, mas justas
Concluindo: o questionamento que Brecht faz à Inquisição que condenou gratuitamente Galileu, e ao cientista que se acovardou não defendendo a verdade como tal, seja alerta a todos os que procuram conhecer o Criador e as leis por ele criadas e tudo coloquem em benefício do mundo e da humanidade.
Permanece, então, o questionamento: teria sentido, ou seria possível a vida sem o Infinito?